Encontrei esta publicação na Biblioteca da Escola Artística Soares dos Reis. Trata-se de um catálogo com uma compilação de textos de diversos autores, sobre o panorama têxtil e as respectivas produções artesanais do nosso país, editado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Pretende perpetuar no tempo o trabalho de gerações de mulheres ( este mundo escreve-se maioritariamente no feminino ), documentando o que produziram e continuam a produzir: autênticas obras de arte manufacturadas.
O critério de selecção segundo os autores, num país de contrastes como é o nosso, onde a multiplicidade de paisagens e de materiais é uma realidade, passou pela escolha das produções certificadas e daquelas passíveis desta certificação, com uma identidade própria e que se identificam de imediato com um determinado território.
Exemplos como estes que passo a citar " Tais como são os casos óbvios dos Lenços dos Namorados do Minho, ou dos Bordados da Madeira, de Viana do Castelo, da Terra de Sousa, de Tibaldinho, de Castelo Branco, de Nisa ou de Arraiolos, dos cobertores da Serra da Estrela, ou da tecelagem de Almalaguês, de Reguengos, de Mértola ou dos Açores, mas também o Pardo e Surrobeco de Trás-os-Montes, as rendas de bilros de Peniche ou de Vila do Conde, o filé de Felgueiras, as rendas do Pico e do Faial. "
O livro também aborda a questão das produções que fogem a uma matriz identificadora com uma determinada localização geográfica. Não sendo suficiente a sua singularidade para lhes atribuir um local de origem, encontram-se estas um pouco por todo o país, como é o caso da tecelagem ( exceptuando alguns casos como Almalaguês e Mértola ), da cultura do linho, distribuída por Guimarães, Ponte de Lima, Terras do Bouro, Serra de Arga, Vila Verde, Lousada e Barcelos, da trapologia que em Portugal nunca conheceu o estatuto e o rigor estilístico que tem nos outros países, das malhas artesanais em Lousada, Paços de Ferreira, Terras de Sousa e Póvoa de Varzim que não possuem expressão de forma a merecerem mais atenção das entidades reguladoras deste tipo de ofícios.
Por fim e em jeito de remate foca o surgimento de novas produções fortemente personalizadas que com um novo enquadramento composto por gente inquieta, criativa, urbana e com elevada formação escolar, faz dos materiais e técnicas têxteis a sua nova linguagem. Nomes como Gisella Santi, Guida Fonseca ou Helena Loermans fazem a ponte entre as técnicas tradicionais e uma estética mais contemporânea. Claro que os novos criadores, nestas águas movediças do artesanato urbano também não foram esquecidos e as produções têxteis actuais estão a tornar-se um modo de vida e são transversais explorando campos como os adereços, os feltros, a tecelagem o bidimensional e o tridimensional. Também nas Artes Plásticas o fio devido à sua pluralidade plástica é muitas vezes uma opção material e estética, ligada à Instalação e também à Pintura e Escultura, que encontra a sua expressão máxima em artistas como Joana Vasconcelos, Helena Almeida, Miguel Ângelo Rocha, Patrícia Garrido entre muitos outros.
Na minha estadia de 4 anos por motivos profissionais na cidade da Lixa, situada no Vale do Sousa, pude comprovar que o universo têxtil descrito nesta compilação existe efectivamente. São ainda muitas as bordadeiras que por conta própria ou de outrém, mantêm esta actividade viva. E existem algumas escolas que dão formação profissional a muitas mulheres, numa das quais o António leccionou a disciplina de desenho. Com raízes familiares na região o meu marido, descobriu que o bordado da Lixa teve origem na terra onde nasceu, Santiago de Figueiró no concelho de Amarante, e que foi reconhecida como um centro importante da indústria de bordados no passado, datando os primeiros registos de 1913.
O trabalho de bordadeira era acumulado com a jorna diária do campo e a multiplicidade de tarefas da vida doméstica, sendo frequente encontrar pequenos grupos de mulheres na eira a trabalhar ao sol, ou na soleira das portas. Ainda hoje isto acontece. O bordado da Lixa originariamente feito sobre linho, passou a ser executado em algodão com o uso generalizado deste material, ganhando este expressão como matéria-prima de suporte. A paleta dos fios usados vai desde o branco, cru, beje, pérola a cor de estopa. Caracteriza-se este bordado pelo uso de mais de 200 pontos na sua execução, aos quais falta um léxico específico, explicado pelo facto de as bordadeiras na sua maioria serem analfabetas, o saber transmitia-se em contexto familiar onde se aprendia observando.
A constatar a pluralidade de paisagens e ofícios em Portugal relatada neste livro, estão as Rendas de Bilros de Vila do Conde, concelho onde vivemos presentemente. A história da Renda de Bilros remonta ao ano de 1616 e o seu surgimento aparece sempre associado às redes de pesca e à necessidade de as mulheres obterem uma fonte de rendimento alternativa no orçamento familiar quando a actividade piscatória não chegava para a subsistência da família. A precaridade financeira destas mulheres que enviuvavam cedo, pois a profissão dos maridos era de risco, em muito contribuiu para arranjarem o seu próprio sustento.
Existe presentemente uma Escola de Rendas de Bilros com bastante alunos inscritos o que revela ainda hoje a importância e valorização cultural desta arte bem como o Museu das Rendas de Bilros de Vila do Conde onde é possível observar algumas rendilheiras a trabalhar ao vivo.
Também aqui perto no concelho vizinho da Póvoa de Varzim são manufacturadas as famosas camisolas e meias poveiras, cujos motivos gráficos e temas são os mesmos que os usados noutros tempos, pelos pescadores da região.
Encontram-se também numa das freguesias desta cidade os conhecidos Tapetes de Beiriz feitos à mão em pura lã por artesãs, em teares antigos de madeira maciça. Que lhes conferem robustez com o seu batimento único. Se ainda existem deve-se à persistência da actual proprietária na revitalização da antiga fábrica ( 1988 ) e de produzir peças de qualidade, em vez de ceder à tentação da produção em massa.
É pois um livro que vou tentar adquirir, vale bem uma leitura atenta.
| os detalhes das imagens apresentadas em baixo são referentes à Casa do Outeirinho, antiga casa de família do António situada em Santa Cristina de Figueiró, Amarante que revisitámos este Verão. Curioso o facto das filhas da antiga caseira desta casa, serem bordadeiras, numa inevitabilidade social que as mulheres da terra continuam a perpetuar |
Lindo post :) O livro é caro mas vale mesmo a pena, comprei-o aquando da respectiva exposição na FIA do ano passado.
ResponderEliminarEste é o catálogo da exposição que esteve na FIA no ano passado? Sabes como se pode adquirir? Fiz uma pesquisa rápida e não o encontrei em livrarias
ResponderEliminarOlá Rosa, não tinha ainda lido o teu post.
ResponderEliminarSim, o livro está ligado à exposição da Fia do ano passado e encontrei-o fortuitamente na biblioteca da Soares dos Reis no Porto. Foi uma descoberta e tanto, é muito bom, fiquei fascinada com tanta informação :)
Olá Isabel, é o catálogo sim. Também não o encontrei online, apenas referências do livro relacionadas com a Fia. Vou tentar saber através da biblioteca como o adquiriram, provavelmente da mesma forma que a Rosa :)
Tão bonito!!
ResponderEliminarEstive a pesquisar sobre a simbologia da tecelagem e observei que esta arte está intimamente ligado às mulheres e ao universo da feminilidade. Por exemplo, quando uma mulher sabe que está à espera de um filho começa a tecer, tricotar ou bordar peças para o bébé. O mesmo acontece com as mulheres do seu círculo.
Estão associadas a este acto colectivo a simbologia dos fios do destino daquela criança e a mitologia das Moiras Gregas.
obrigada Maria *
ResponderEliminarOlá Clara, isso era outro assunto que daria outro post! Muito interessante sem dúvida! :)
ResponderEliminarDe nada Zé ;)
Aconteceu comigo quando estive grávida da M, parecia tão natural na altura, algo intrínseco ao estado físico que vivenciava.
ResponderEliminarUm post muito bonito este! :-)
Olá Maria,
ResponderEliminarEngraçado ouvi-la falar dos Bordados da Lixa! A minha mãe é de lá, por isso desde pequena íamos lá passar uns dias e havia visita obrigatória às lojas no centro e comprávamos sempre algo, nem que fosse as saquinhas para levar o pão para o lanche da escola :) Hoje ainda lá vou aos fds mas sinto falta desse movimento no centro da cidade, em torno dos bordados. Uma parte de mim é mais pessimista e acha que a culpa é de todos nós que deixamos de comprar um bordado com o seu preço mas que dura uma vida, para adquirir 3 ou 4 mais baratos e que no ano seguinte estão bons para o lixo, mas simplesmente estão na moda e estão mais acessíveis na loja do centro comercial, foram feitos por uma máquina e pouco se distinguem de uma cópia a cores em papel. Vejo os lençóis de enxoval da minha mãe, um conceito que ela própria acha antiquado, mas acho-os bonitos e com o uso permanecem bonitos e a perfeição do bordado não deixa de espantar quando nem sabemos distinguir o direito do avesso, ao fazer a cama. Vejo os lençóis caros de marcas de estilistas famosos que se baseiam na cor apenas, e reconheço-lhes interesse visual, mas não deixo de achar que dentro de alguns anos serão considerados ultrapassados e fora de moda, em oposição a estes que pela sua perfeição, simplicidade e carácter único perduram, ou assim o espero. A outra parte de mim é por isso optimista e acredita que a evolução das sociedades se faz por extremos, até se encontrar o equilíbrio, em todas as dimensões. Por lá pela Lixa tenho oportunidade de contactar com mulheres assim, levantam-se cedo, cavam a terra, fazem a vida de casa, às vezes trabalham fora e ainda bordam em casa, ou cozem sapatos à mão, mal pagas e a muito custo, e não deixo de achar que são um verdadeiro exemplo de força e inspiração, e talvez devessem ser elas a aparecer na TV como Supermodelos :)
Olá Alexandra, eu acho que o clip clap das agulhas é mágico, as grávidas adoram :)
ResponderEliminarOlá Ana há quanto tempo!
É o que está a acontecer com quase toda a nossa manufactura, tomam caminhos mais fáceis, que não lhes trazem qualificação. É uma pena. A escola de Bordados da D. Melânia no Alto da Lixa é um bom exemplo ainda da recuperação da tradição. Mas cada vez existem menos bordadeiras. Não posso deixar de sorrir ao ler o último parágrafo do teu comentário pois é o retrato fiel daquelas mulheres que são uma força da natureza.
Olá Maria,
ResponderEliminarEstou caladinha mas sempre a seguir este lindo espaço ;)
Desculpa o erro, cosem calçado à mão, e não cozem! Ainda no último fds uma dessas senhoras acompanhou os homens nas vindimas, as mesmas mãos que fazem os bordados, algo tão delicado, andaram com cestos pesados, de um lado para o outro, uma empreitada pesada para todos, mas quando no fim do dia os homens foram descansar e tomar banho, ela ainda teve que preparar a Cabidela para dar de jantar a todos, dos frangos que já tinha depenado na mesma manhã. A quem a ouve e vê parece estar tão distante de todas as questões culturais e estéticas associadas à arte e criação, e no entanto é uma peça tão importante.
Frioleira, conheces? Uma tia-avó minha fez quase até morrer, apesar das cataratas. Tenho os panos cá em casa, um pouco tortinhos pela idade e falta de visão, mas ainda assim tão finos que não me imagino capaz de algum dia ter feito aquilo! Agora que penso, ficavam bem numa das tua produções artísticas ;)**
Lindo, lindo, lindo! Para além das imagens muito boas, tem um conteúdo super interessante! Nunca o consegui encontrar em lado nenhum, soube da sua existência na altura da FIA.
ResponderEliminarTive a oportunidade de ver um desses coletes de Guimarães quando lá estive a aprender a bordar,são geniais!
Ganhei o dia com este post, obrigada! :)*
Olá Ana!
ResponderEliminarConheci esse ponto através deste livro, apenas. Vou aumentando aos poucos o meu conhecimento através de livros, mas o ver fazer de antigamente é muito mais eficaz que a leitura :)
Olá Joana!
Vou enviar um email para a organização da Fia para ver se têm algum disponível, e quanto aos coletes também fiquei de boca aberta quando os vi :)
Maria, muito obrigada! Quase não se nota a mudança de côr no texto e assim consigo ler tudinho! Um beijo e uma boa semana para ti!
ResponderEliminarVirgínia, se quiseres ainda posso escurecer um pouco mais :)*
ResponderEliminarPodem adquirir o livro através da livraria do IEFP em Xabregas. Ver contacto deles no site. Eles inclusive enviam por correio.
ResponderEliminarJá comprei o meu exemplar graças a este maravilhoso post
Olá, Maria e António
ResponderEliminarGostei muito deste Vosso espaço e , pelo que li, o António tem que ser meu primo! A Casa do Outeirinho, perto da Lixa está comigo e com os meus irmãos, herdada do meu pai Artur Coutinho.
Vocês (o António) segue a linha artística da família. Parabens ( e contactem-me, se quiserem- dulcemcoutinho@gmail.com).
Um bj
Olá Dulce,
ResponderEliminaro António é o Sérgio :)
E sim, é seu primo! Estivémos este Verão na Casa do Outeirinho e com as filhas da Ana.
Claro que contactaremos via email, o nosso é o que consta neste blogue,
um beijinho*
Maria